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Estados e municípios dobram investimentos em 5 anos, mas qualidade das ações gera dúvida

por admin
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Os governos estaduais e municipais investiram em 2024 mais do que o dobro do observado no período pré-pandemia. O movimento é impulsionado pelo crescimento das receitas tributárias, das transferências recebidas da União e por novos empréstimos.

A elevação desse tipo de despesa tem, em tese, um efeito positivo sobre a economia, pois amplia o estoque de capital fixo no país e facilita a produção de outros bens e serviços, com impacto favorável sobre o crescimento. No entanto, há dúvida de especialistas quanto à qualidade desses investimentos, alguns deles pulverizados e financiados via emendas parlamentares, distribuídas conforme interesses políticos.

No ano passado, estados e municípios investiram em média R$ 57,6 bilhões por trimestre, segundo cálculos do economista Bráulio Borges, economista-sênior da LCA 4intelligence, pesquisador associado do FGV Ibre e colunista da Folha, elaborados a partir de dados do Tesouro Nacional.

O número representa uma alta de 130,8% em relação à média de 2019, antes da pandemia de Covid-19. A variação já desconta os efeitos da inflação no período.

Os dados mostram ainda uma aceleração desses gastos no período de eleições estaduais ou municipais, o que sugere uma concentração de esforços em ações de maior visibilidade nesse período. A tática, porém, torna mais errático o planejamento das políticas públicas.

O novo cenário das finanças regionais e suas consequências para o país são discutidos na série de reportagens “Desafio fiscal dos estados e municípios”.

O montante de 2024 foi mais de seis vezes a despesa da União nessa mesma frente (R$ 9,24 bilhões por trimestre, em média). A proporção mostra um descolamento. Embora os governos regionais já tivessem historicamente uma representação mais significativa nos investimentos públicos, até 2021 a despesa era equivalente a três a quatro vezes o montante federal.

A mudança de patamar ocorreu tanto nos estados quanto nos municípios. No ano passado, os governos estaduais investiram R$ 22,4 bilhões por trimestre, em média. O valor é 128,6% maior do que o observado em 2019, em termos reais.

As prefeituras protagonizaram um crescimento ainda mais expressivo no período, de 132,2%, e alcançaram uma média trimestral de R$ 35,2 bilhões em investimentos no ano passado.

“O que mais cresce, de fato, é o investimento, o que é uma notícia boa no sentido de que aumenta a infraestrutura brasileira, aumenta a capacidade de crescimento do país, desde que esse investimento seja bem feito”, diz Borges, com a ressalva de que os números agregados não permitem tirar conclusões sobre a qualidade desses investimentos.

Claudio Frischtak, ex-economista do Banco Mundial e presidente da Inter.B, consultoria especializada em infraestrutura, afirma que os investimentos executados por estados e municípios são bastante heterogêneos. Assim como há lugares com projetos de qualidade e boa execução, há aqueles em que os recursos são mal alocados.

Ele alerta, porém, que o crescente financiamento por meio de transferências do governo federal, sobretudo emendas parlamentares, “gera um certo desperdício”. Como mostrou a Folha, os deputados estaduais também incorporaram a prática e passaram a carimbar verbas para indicações próprias.

“A maior parte das emendas não é aderente a algo que você possa dizer que tenha uma racionalidade no âmbito dos investimentos. E não estou nem falando em corrupção, que é um problema adicional”, diz Frischtak. “O que qualquer projeto demanda? Uma análise de custo-benefício. Vamos falar só das emendas direcionadas para investimentos. Quais passaram por esse crivo? Zero é um bom palpite. Estamos na pré-história na alocação de recursos.”

Segundo o especialista, o governo federal também tem suas ineficiências, mas, ao mesmo tempo, conta com um arcabouço mais robusto para avaliar o custo-benefício de projetos. Ele defende a aplicação desses instrumentos também nas emendas. “Infelizmente, parte considerável dos recursos é mal alocada, e a implicação econômica é baixa produtividade”, afirma Frischtak.

Um levantamento da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado mostra que os municípios são os principais beneficiários dos pagamentos de emendas federais, cujo volume cresceu nos últimos anos. Em 2024, dos R$ 31,6 bilhões repassados até setembro, R$ 23,9 bilhões foram direcionados às prefeituras. Isso representa 75,5% do total, participação que vem crescendo nos últimos anos.

Em algumas modalidades, como as transferências especiais (chamadas de emendas Pix), há inclusive regras que obrigam a aplicação de um percentual mínimo dos recursos em obras ou aquisição de máquinas e equipamentos. Dos R$ 7,7 bilhões direcionados a emendas Pix no ano passado, R$ 6,5 bilhões foram classificados como investimentos.

A baixa rastreabilidade e transparência dessas verbas, porém, torna difícil medir a qualidade da despesa. “O objetivo não declarado dela [emenda Pix] era ocultar a destinação. Nós perdemos a capacidade de saber a programação que está sendo proposta”, diz o pesquisador Hélio Tollini, consultor de orçamento aposentado da Câmara dos Deputados.

Em um contexto fiscal mais amplo, Bráulio Borges ressalta a vantagem de os investimentos serem um gasto temporário. “Se for preciso fazer um ajuste, é uma despesa mais fácil de ser reduzida. É um lado positivo”, afirma.

O nível de flexibilidade dos orçamentos estaduais e municipais é um ponto de preocupação porque, diante da recente expansão de gastos desses entes, eventual desaceleração de receitas —seja por mudança nos arranjos políticos, seja por uma atividade econômica mais fraca— pode forçar os gestores locais a fazer cortes.

Já a CNM (Confederação Nacional dos Municípios) alerta que alguns investimentos, embora temporários, geram despesas permanentes. O presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, afirma que muitas vezes a União transfere recursos para a construção de novos estabelecimentos de ensino ou de atendimento à saúde, mas sem garantir as verbas para sua posterior operacionalização.

Neste caso, o custo com a contratação de profissionais, por exemplo, recairia sobre os municípios, contribuindo para um orçamento mais engessado no médio e longo prazo. “O investimento sobe com o aumento de transferências, a execução passa para o município, mas depois não passa o dinheiro [para operacionalização]”, critica.


Série aborda desequilíbrios nas finanças de estados e municípios

A situação das finanças regionais é tema da série de reportagens “Desafio fiscal de estados e municípios”, que a Folha publica a partir desta segunda-feira (7).

O material mostra como a nova rodada de descentralização de recursos, inclusive via emendas parlamentares, serviu para turbinar as despesas, com consequências relevantes não só para a saúde fiscal desses entes mas também para o cenário econômico e político do país.

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