Perguntar o que evangélicos pensam sobre o papa Francisco é o mesmo que perguntar o que os brasileiros pensam sobre ele. As opiniões variam radicalmente: para alguns, ele era o papa-pastor, um amigo dos evangélicos; para outros, um “vermelho, esquerdista e gayzista”. Mas, para a maioria, ele era apenas mais um “famoso internacional”.
Aqueles que manifestam sentimentos positivos ou negativos em relação ao papa, declarado morto nesta segunda (21) aos 88 anos, geralmente o fazem pelos mesmos motivos. Francisco era admirado ou rejeitado por sua proximidade com a Teologia da Libertação e por seu posicionamento em prol dos vulneráveis —a escolha do nome Francisco foi uma referência a São Francisco de Assis, conhecido por seu voto de pobreza.
O pontífice também utilizou seu prestígio e o da Igreja para chamar a atenção para o aquecimento global e a sustentabilidade. Além disso, ainda que de forma tímida, fez gestos importantes para reduzir o estigma sobre pessoas LGBTQIA+. Esses temas também dividem opiniões, especialmente entre evangélicos.
Alguns o chamavam de papa-pastor por sua atuação, mesmo antes de ser escolhido pontífice, na promoção do ecumenismo e do diálogo inter-religioso.
Em 2021, por exemplo, o bispo-presidente da Assembleia de Deus Ministério Madureira, Abner Ferreira, participou no Vaticano da conferência Fé e Ciência: rumo à COP 26. “Para nós, ele é o papa-pastor”, afirma o pastor assembleiano Wilian Gomes. “Temos admiração pelo trabalho dele pela humanidade e também por buscar o diálogo com outros cristãos.”
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Francisco era especialmente admirado por evangélicos de denominações históricas, como batistas, luteranos e metodistas. Apesar de representarem setores minoritários entre os cerca de 70 milhões de evangélicos brasileiros, essas igrejas possuem membros com maior escolaridade, e seus seminários teológicos são respeitados pela qualidade acadêmica.
O fato de o pontífice ter trazido uma perspectiva teológica latino-americana o tornou mais próximo desses protestantes do que seus predecessores. “É um líder dialogal, teologicamente admirável nas discussões sobre ambiente e justiça social”, afirma o pastor Kenner Terra, da Igreja Batista da Água Branca (Ibab).
“Ele não avançou no tema do gênero, mas teve uma postura corajosa em relação a outros temas difíceis”, acrescenta Kenner. “Esvaziou a ideia de que o papa é infalível, mostrou-se humano e não cultivou a imagem de luxo associada ao catolicismo.”
Na última década, porém, as igrejas evangélicas brasileiras se aproximaram da direita bolsonarista. O governo do ex-presidente conseguiu costurar alianças com as denominações mais influentes, um feito complexo que segue ativo nesses espaços.
O clima de polarização achatou a imagem do pontífice. Sua primeira visita internacional foi ao Brasil, em 2013, durante a Presidência de Dilma Rousseff. Fez adversários no campo evangélico ao criticar o uso da fé para o enriquecimento de pastores e a instrumentalização da religião no debate político.
Por esses motivos, evangélicos mais à direita o atacavam como “um vermelho”, um esquerdista que, em algumas ocasiões, tentou reduzir a condenação da Igreja à homossexualidade. “Os papas já são mal vistos por conta da questão da idolatria. O pontífice é frequentemente apontado como o falso profeta, e infelizmente isso se agravou com a contaminação ideológica”, afirma o pastor Alexandre Gonçalves, da Igreja de Deus.
A maioria dos evangélicos brasileiros, no entanto, pertence às camadas populares e vive nas periferias, onde a Igreja Católica, por sua lentidão, está distante. Para esse “chão de fábrica pentecostal”, Francisco era apenas mais uma celebridade internacional, como a cantora Shakira ou o ex-presidente Barack Obama —alguém conhecido, mas sem presença no cotidiano das igrejas.
Durante os 18 meses em que acompanhei cultos semanalmente, como pesquisador, em duas igrejas evangélicas de um bairro pobre de Salvador, lembro-me de apenas uma ocasião em que o pastor criticou a idolatria católica. Em contraste, a perseguição a cristãos em países muçulmanos era um tema recorrente.
Nos anos 1980, estive entre os brasileiros que se espremiam nas ruas para ver João Paulo 2º (1920-2005) passar acenando do papamóvel. No Brasil do século 21, em que a população pobre se converte aceleradamente ao protestantismo, essas cenas parecem ter ficado no passado.