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Darwin se encanta por ex-escravizado com vitiligo em livro premiado com Oceanos

por admin
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“O verdadeiro lugar do nascimento é aquele onde uma pessoa se descobre a si mesma”, diz Charles Darwin no romance “Siríaco e Mister Charles”. Se levarmos em conta o argumento do livro, o pai do evolucionismo bem que podia ser cabo-verdiano.

A obra venceu o Oceanos, prêmio mais prestigiado da literatura em língua portuguesa, contando uma improvável história que cruza os mares. O mister Charles do título é Darwin, retratado naquelas páginas como um garotão de seus 20 e poucos anos empolgado em descobrir o mundo.

“Por todas as experiências que tivera em Edimburgo e Cambridge, explicou Charles, o prazer e os conhecimentos adquiridos não chegaram perto do impacto da sua redescoberta como pessoa, ali na ilha de Santiago de Cabo Verde.”

“Quando você procura por Darwin, não encontra Charles”, diz o autor Joaquim Arena, que tem agora sua obra publicada no Brasil. “É como se ele não existisse antes de ser um naturalista famoso.”

O outro personagem-título, Siríaco, é um ex-escravizado que viajou ao Brasil com a Família Real portuguesa, fugindo das tropas de Napoleão, e terminou a vida no Cabo Verde natal de Arena.

A primeira coisa que se vê em sua figura é a pele negra marcada por vitiligo, que escondia por baixo uma personalidade sensível e o transformou em atração de espetáculos aberrantes de “freak show” no século 19, onde era “exibido como cão”, nas palavras do autor.

Os dois homens existiram e foram alvos de uma pesquisa minuciosa empreendida pelo escritor em arquivos de Portugal —onde Arena ficou vidrado numa pintura do menino Siríaco na Corte— e do Reino Unido —que guardava uma pouco explorada passagem de três semanas de Darwin pelas ilhas de Cabo Verde, a oeste da África, antes de avançar sua empreitada pela América do Sul.

“É mais um caso da história para que ninguém liga. Quando você lê estudos sobre a viagem de Darwin, que mudou toda a nossa maneira de pensar, Cabo Verde não faz parte dessas páginas. E é um absurdo, porque Darwin acorda ali para a geologia, os animais marinhos, e quando chega ao Brasil já leva na cabeça alguma coisa tropical.”

Se os personagens são bem reais, os laços de amizade que desenvolvem no livro são ficcionais. O que não quer dizer que sejam implausíveis, segundo Arena.

Algo perceptível em suas investigações de arquivo é que Darwin “se encanta pela natureza e pela espontaneidade das pessoas”. “Então ganho razão para pensar que se interessaria pelo lado humano de Siríaco, não pela raridade de sua pele de ‘homem-tigre’.”

O cientista britânico vinha de uma longa linhagem de intelectuais humanistas, defensores de causas progressistas para sua época —seu avô, o médico Erasmus Darwin, foi um abolicionista célebre do século 18.

O neto herdou os genes progressistas e, numa passagem do romance inspirada por acontecimentos reais, entra em conflito com o capitão de um navio negreiro ao se enojar com a maneira torturante como castigava um homem traficado como escravo.

Arena se lembra de ter encontrado, nos arquivos sobre Darwin, um episódio sobre sua amizade com um cientista negro que o ensinou técnicas de embalsamamento de animais durante seus estudos em Edimburgo. O futuro autor de “A Origem das Espécies” tinha cerca de 15 anos.

São cenas como essa que embasam a ficção de “Siríaco e Mr. Charles” —no enredo, o antigo subordinado da Corte portuguesa passa a vida rememorando o encontro com o britânico, então um rapagão elegante, e aguardando sua volta. Foi, afinal, o primeiro europeu que o viu por baixo da epiderme.

A ironia trágica, completa Arena, é que a teoria da evolução de Darwin acabou desfigurada num conceito torpe de “darwinismo social” que embasaria práticas eugênicas décadas adiante.

“Foi uma consequência que ele não previu. A base teórica da lei do mais forte veio a ser aproveitada, da pior maneira, para justificar a supremacia branca contra os africanos e índios. Abriu a porta para a legitimação de um massacre. Mas aí ele já não tem culpa dessa interpretação.”

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