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Brasil tenta reaver crânio de líder da revolta dos Malês levado aos EUA

por admin
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Há pouco mais de dois anos, o centro passou a integrar um esforço conjunto com pesquisadores para tentar negociar a devolução. Assim surgiu o grupo de trabalho Arakunrin (“irmão”, em iorubá).

As tratativas, porém, ganharam reforço no final de 2024, quando o Ministério das Relações Exteriores entrou na luta pela repatriação. Ao UOL, a pasta afirmou que está na fase de “trâmites para devolução e destinação final do crânio”.

Museu Peabody de Arqueologia e Etnologia, Universidade Harvard Imagem: Domínio Público

“Para que se cumpra o que o Islã diz”

O presidente do Centro Cultural Islâmico da Bahia, sheik Abdul Hameed Ahmad Ahmad, explica que a palavra malês significa muçulmano.

“Aquele grupo que veio para cá como escravos da África, e eles sabiam muito bem sobre a história da criação por Deus que o islã conta: Deus não criou ninguém para escravizar os outros. Por isso, eles fizeram tudo para dizer não para a escravidão”, diz.

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Segundo ele, após uma morte, o muçulmano tem um ritual para tratar o corpo: “lavar o corpo antes do enterro e a família tem que se aproximar, registrar a palavra da fé islâmica na frente dessa pessoa, dizer que não há outra divindade que merece a adoração além de Alá e de Deus”.

Por isso a gente está esperando ele chegar aqui, para que se cumpra o que o islã diz da maneira que deve se tratar um corpo: com respeito. Isso vai acontecer.
Abdul Hameed Ahmad

Quando retornar ao Brasil, esse crânio vai passar por exame de DNA no Instituto de Biologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia), que tentará descobrir a origem genética do indivíduo. Depois disso, ele deve ser enterrado no Campo da Pólvora —local onde os quatro condenados à morte foram fuzilados em maio daquele ano.

Largo do Campo da Pólvora, em Salvador Imagem: Google Street View

Hannah Bellini, socióloga e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA, integra o grupo auxiliando a comunidade nos aspectos formais da solicitação.

“Desde da primeira carta enviada à Universidade de Harvard, em 3 de novembro de 2022, o processo foi conduzido e consolidado tendo como argumento o fato de que a comunidade islâmica baiana constitui descendente do crânio, lembrando que essa é uma condição de Harvard para repatriação. As discussões contínuas demonstram como era importante para eles que isso fosse pautado”, explica.

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Esse pedido dialoga com a legislação norte-americana, reconhecendo que a identidade religiosa não pode ser dissociada do seu contexto sociopolítico, da presença histórica da religião islâmica e da revolta dos malês nos processos de resistência e escravidão. Por isso, o retorno do crânio adquire dimensões ainda mais significativas.
Hannah Bellini

Crânio roubado ainda fresco

Segundo Bruno Véras, historiador e professor contratado do mestrado em museologia da Universidade de Toronto (Canadá), relatórios feitos à época apontam que esse escravo morreu de um ferimento decorrente da rebelião. “Ele foi levado para um lugar chamado Hospício de Jerusalém, que era na verdade um hospital, e morreu lá”.

Ele explica que a descrição feita dá a entender que o crânio foi roubado ainda fresco. “O Gideon Snow estaria lá em Salvador e teve acesso à cabeça desse homem”, explica. “Este roubo não está documentado nos relatórios oficiais que a gente teve a oportunidade de checar. Isso me fez chegar à conclusão de que ele sabia que o que ele estava fazendo era errado, não era ético”, completa.

O historiador ressalta que Gideon deixou um relato de viagens, que cita a passagem por Salvador. “Ele não era um um viajante, um aventureiro ou um comerciante qualquer: ele era um agente do estado dos EUA”, diz.

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Esse diplomata lidava com açúcar, e a gente vê ele viajando constantemente para Boston, via Nova York e outros lugares. Então é possível que esse crânio tenha voltado com ele ou tenha voltado com o irmão dele, que era formado em Harvard, que logo depois que saiu da Bahia voltou para Boston.
Bruno Véras

O levante na história

Para Carlos Da Silva Jr., professor de História da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana) e presidente da Associação Brasileira de Estudos Africanos, o rebelde que teve o crânio roubado foi descrito como uma das lideranças da revolta ocorrida entre os dias 24 e 25 de janeiro de 1835.

Esse movimento de resistência foi protagonizado não só por escravizados, mas por libertos, que foram a liderança intelectual do movimento. O movimento também teve a participação de escravizados da nação nagô, que eram muçulmanos; daí o nome veio malês.
Carlos Da Silva Jr.

Amuleto foi encontrado com um participante da revolta dos Malês Imagem: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)

A revolta dos Malês começou na noite de 24 de janeiro e pretendia acabar com a dominação branca e criar uma Bahia para os africanos. Várias batalhas aconteceram em pontos de Salvador, até que os revoltosos foram derrotados no dia seguinte.

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O movimento gerou pânico entre as autoridades e população branca locais. Por isso, medidas duras foram tomadas para perseguir os africanos, em especial os muçulmanos.

É uma história muito importante dentro de todas essas lutas de resistência contra a escravidão. Foi a principal revolta urbana de escravizados na história das Américas, então é um personagem muito significativo. Então o retorno desse crânio para a Bahia tem um simbolismo muito importante.
Carlos Da Silva Jr.

Ele alega ainda que a repatriação do crânio é importante não só para a comunidade muçulmana, mas por tudo que a revolta representa, mas também pelo debate que gera a respeito da “descolonização dos museus”.

“Essa característica colonial, principalmente os museus do norte global, são construídos a partir de retiradas, às vezes não autorizada, de elementos das culturas africanas, indígenas, de objetos sagrados, de corpos humanos, como esse crânio. Há outros restos mortais de pessoas de outros grupos e que são expostas nos museus mundo afora”, finaliza.

Reportagem

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